Clecienne Giacomin
Creio
que todo mundo uma vez na vida já se deparou com a ilustração acima. O que
pergunto é quantos realmente sabem o que foi Le Chat Noir? Todo Gateiro já viu este desenho, foi presenteado ou comprou algum
objeto nele inspirado. Já recebi as mais diversas respostas para a pergunta
formulada, então vou contar a vocês a história por traz de um dos Cartazes de
Propaganda mais famoso do mundo. Sim, porquê antes de tudo ele é uma
propaganda. Le Chat Noir, criação de Rodolphe Sallis, foi o primeiro CABARET literário,
artístico e cultural da Paris das Luzes, da Paris da Belle Époque. Foi o ponto
de encontro para escritores, poetas, músicos e pintores. Seus três endereços
foram nos arredores de Montmartre, o famoso bairro boêmio parisiense. Mas,
antes da criação do Le Chat Noir, Montemartre era um local tranquilo, barato,
porém perigoso de se viver. Era local de residência de alguns artistas, mas não
se poderia dizer que Montmartre possuísse uma vida artística ativa. Le Chat
Noir foi mais que um simples Cabaret de Montmartre, algo tão comum a vida
boêmia parisiense no seu apogeu em fins do século XIX. Também foi mais que a
revista criada por Rodolphe Sallis para promover o ambiente efervescente do
Cabaret, em cujas páginas encontramos textos de Verlaine, Jean Rechepin, Léon
Bloy, Jean Moréas, Villiers I’Isle Adam, Laurent Tailhade e tantos outros[1]. Quem deseja conhecer e entender a Belle
Époque deve buscar conhecer todas as edições da Chat Noir. O Cabaret foi aberto
em 1881 no Boulevard Rochechouart, no sopé da colina de Montmartre, Maurice
Donnay, dramaturgo francês que na juventude recitou poemas, compôs rebuscadas
tragédias para o Teatro de Sombras do Cabaret Chat Noir, assim o descreveu: “Le
Chat Noir, com suas janelas de vitrais, seus vasos de estanho, seus canecos de
cobre, seus bancos de madeira esculpida, todos no mais puro estilo Luís XIII,
possuía algo do ar da ‘Velha Paris’.”
Sallis o denominou Cabaret pois as canções e os esquetes se sucediam como os pratos
de um Menu, o espaço com 60 lugares não era apenas usado para leitura de
poesias, mas também para encenar complexos Teatros de Sombra[2],
para os quais renomados artistas escreviam os textos, elaboravam os projetos e ainda faziam o
acompanhamento musical. Logo o espaço ficou pequeno e o Le Chat Noir mudou-se em
1885 para o número 12 da Rue Victor Massé (nome atual) onde permaneceu até
1896. Mudou–se mais uma vez, mas teve novo nome e encerrou suas atividades em
1897, para decepção de Picasso e outros que procuraram o Cabaret quando foram a
Paris para a Exposição Universal de 1900.
Nas
mesas do Chat Noir beberam absinto até quase a alucinação Aristide Bruant,
Zola, Jean Groudezki, Albert Saimain, Maupassant, Gillette, Lautrec, Bonnard,
Steinlen e tantos outros. Foi também o primeiro Cabaret a ter um Piano, e
Claude Debussy muitas vezes o tocou, algumas vezes acompanhando as encenações
do Teatro de Sombras. O famoso Cartaz do Chat Noir foi criado por
Theóphile-Alexandre Steinlen, em 1896, é uma litografia colorida, com traços
que caracterizam a Art Noveau. Sallis
assim anunciava a sua Casa: “Le Chat Noir é o Cabaret mais extraordinário do
mundo. Ele atrai os Homens mais ilustres de Paris, que lá se encontram com
estrangeiros de todas as partes do mundo. Este é o maior sucesso do dia! ENTRE!
ENTRE!
Muitos
se perguntam qual o motivo de Rodolphe Sallis ter escolhido o nome Chat Noir
para a sua Casa Noturna. Segundo alguns, o nome foi tirado do Conto “Gato
Preto”, de Edgard Allan Poe. Outros dizem que o nome teve origem em um Gato de
Rua que Sallis encontrou enquanto reformava o primeiro prédio em que instalaria
seu Cabaret. Mas, pensemos um pouco em
toda a carga de significados por trás do nome, ao simbolismo agregado em
séculos aos nossos animais:
- · O gato noturno e diabólico, cuja imagem foi popularizada na Idade Media,
- · O gato que carrega todas as imperfeições do mundo como a Hipocrisia, a trapaça, o roubo, o esquivo, a ganância e, acima de tudo, o Gato Negro. O companheiro da Bruxa, que se fosse pega poderia escapar transmudada em um de seus amigos peludos e, assim, escapar do ‘justo’castigo.
Analisemos
também o símbolo/placa criado por Adolphe Willette para o Chat Noir:
Um
Gato Negro sentado em uma Lua Crescente. Começamos a entender porque muitos
dizem ter sido a Casa muito mais que um Cabaret Artístico. Há quem relacione
Sallis com movimentos esotéricos tão em volga em fins do século XIX. Alguns textos publicados sob o pseudônimo de
FULCANELLI (um alquimista ou um grupo que escrevia sob este nome) dizia ser o
Cabaret um Clube onde se reuniam, desde o início de suas atividades, os
Hidrópatas (Clubs des Hydropathes) de Émile Goudeau. Uma seita fundada em 1878
(como muitas outras numa consequência da Guerra Franco-Prussiana), teve a
participação de muitos artistas e de intelectuais, nas suas reuniões eram
debatidos as especialidades de seus membros e todos professavam a negação
absoluta da água como bebida em beneficio da bebida alcoólica. Chegou a reunir
350 membros, imaginem o seu sucesso entre o libertinos parisienses, e somente
eram admitidos os membros da boemia artística, fosse qual fosse a sua
arte. Entre seus membros mais brilhantes
figuraram Sarah Bernhardt, Léon Bloy, Charles Cros, Alphonse Allais, Théodore
de Banville, Guy de Maupassant, Jean Moreas, Germais Nouveau e Maurice
Rollinat.
A proposito do Gato,
muitos de nós se recordam do famoso Chat Noir que esteve tão em moda sob a
direção de R. Sallis, porém quantos sabem que um Centro Esotérico e Político se
camuflava em seu interior, e que a Maçonaria internacional se ocultava debaixo
do símbolo do Cabaret Artístico?[3]
Ainda
que não se possa comprovar, o que não se pode negar é que grande parte dos importantes
clientes do Chat Noir pertenciam a Sociedades Secretas ou estavam interessados
em aspectos heréticos, herméticos e, até mesmo, ao satanismo que marcam os
movimentos anticlericais na França em fins do século XIX e início do século XX.
E
vocês imaginavam haver tantas histórias por traz de um simples Cartaz de um
Chat Noir?
Curiosidade:
No
Rio de Janeiro, no início do Século XX também foi instalado um Cabaré com o
nome Chat Noir, nos moldes do irmão parisiense. “O ambiente apresentava-se
satânico, o clima era baudelairiano, e o próprio Bilac colaboraria para o
repertório do Chat Noir carioca com a Canção do Dia. Teve vida curta por conta
das rixas, desordens e da polícia. Estava localizado na Rua do Lavradio, não se
sabe bem em qual de seus prédios. Assim o descreveu João do Rio: “um cabaré com
todo o sabor do vício parisiense, tudo o quanto demais rive-guache”. [4]
[1] A Revista semanal teve 688 edições de publicadas de
1882 a 1895, e uma segunda coleção com122 edições, com a última datada de
30/09/1897)
[2] O sistema do Teatro de Sombras criado no Le Chat Noir
é considerado por alguns estudiosos como um dos primórdios do Cinema.
[4] A Rua do Lavradio - http://literaturaeriodejaneiro.blogspot.com.br/2007/11/rua-do-lavradio.html
Imagens: Pesquisadas no Google Imagens.
Imagens: Pesquisadas no Google Imagens.
Uau! Belo artigo Clecienne. Aprendi muito. Vou compartilha do Banho de gato. Bjs!!
ResponderExcluirHeidi